terça-feira, 20 de setembro de 2011

CAFÉ DA MANHÃ

 O ovo estremece, borbulha.

 Me vejo frito.
 Um dançarino no bule.
 Fogo, gás, coreograficamente decididos
 a me matar, banir do mundo.
 Abdômen -Sumidouro.
 Compota na lata.
 Desejo de sugar sem compaixão.
 Encurralado, bronzeado, (óleo), fervendo.
 Exposto feito um mapa, pontos assinalados,
 como se tudo fosse certo.
 Sorvido por uma boca que me dói,
 passa a língua, cicatriza, depois faz jejum.

sábado, 6 de agosto de 2011

NA VERDADE

Na verdade

Sempre, nunca e talvez, juntos numa dança de pequena monta. Zero mais zero modificando a inércia. Uma dança em que você fica parado. “Planta grama se tem cimento”, “faz tudo errado”, “tenta alguma coisa pra não parecer infeliz”, alguém diz:

É você ainda, um alguém tão como você, um você eu

que me chama para o luto na maior alegria,

como se fosse um alívio ser você,

ontem à noite.



Se eu fui você, foi há muito tempo (atrás).

Ontem mesmo era você, ninguém mais na rua, só você.

Só ou você é a mesma coisa. Eu também não sei.

Acho que é assim, um assim mais ou menos, pra menos mas, vai levando devagar, parece querer, mas mais atua, mais segue um caminho inesperado. Não quer nada, quer ser você, por que te admira. Fala nessa boca, tudo suspirado no ouvido por que vem da cabeça, é você lá. Um aqui deeeesse tamanho! Um aqui cada vez mais perto. Dois três

(e vai contado quanto tempo precisa pra...



Eu nunca quis ser você, nunca! Na verdade, eu nem tive escolha, quando me dei conta estava lá, fazendo tudo igual. Somando-se os zeros, talvez, todo esse nada um dia, sempre por vir, venha a ser alguma coisa. Nada. Somente uma trégua entre a paciência de um cigarro fumado como se fosse o último e a tempestade que chega inundando o enésimo andar de nossas vidas com a vontade de mais e mais. Mais o ques? Nada! Tudo? Tudo esta por vir, virá. Eu era você ontem à noite,. Tentei disfarçar, e você esquecer. Justiça seja feita, somos feitos a imagem e semelhança
Menos eu sou você.

domingo, 31 de julho de 2011

Eu não sou você!

Madrugada. Insônia, café, chá. Unhas roídas e memórias remoídas. Há uma goteira no meio do quarto, eu a contar gotas. Televisão, computador, melodia triste a destilar certezas pelo ar. Tudo ligado até que a luz acaba. Molho os pés na poça d água, esbarro no que tem pela frente. Procuro a vela que nunca comprei. Tem isqueiro, acendo um cigarro. Pela janela vejo a outra metade da cidade brilhando. Deve ter alguém lá pra me fazer companhia, tomar uma cerveja, jogar conversa fora.
Acordo de sobressalto. O cigarro fez um buraco no carpete. Devo ter dormido horas, quatro, cinco? Não sei... Costumo ver as horas no relógio daquele prédio, mas hoje esqueceram de ligar, blecaute? Melhor sair, me situar, mas essa hora?
Procuro o molho de chaves. não encontro; claro, está na porta; não, não está. Ao vestir o casaco, lá estão as chaves.
Noite adentro, madrugada, quase dia. Perdi a conta de quantas doses. Agora dança meu bem, dança! Que eu observo seu desespero aqui da minha mesa. Embriagado com palavras não ditas, engolidas, digeridas, nunca vomitadas. Cagadas sim! No escurinho que é pra ninguém ver.
Às vezes ninguém sou eu, você, nós talvez. Alegria, muita alegria! Você e eu compartilhando a mesma taça; ela quebra, rasga ambos os lábios, mas nada de sangue para firmar o pacto. Depois eu durmo. nos seus braços acordo, assustado, banhado em suor. Dois ou três pesadelos. Você afaga, grita nos meus ouvidos (palavras doces). Me afasta cada vez mais pra perto. Não, não e não, você não grita. Sussurra:
- Meu bem, nós somos um. O pão e o vinho - mais vinho do que pão. O milagre da multiplicação.
Terça-feira. Duas da tarde, tudo se repete:
Correndo rua abaixo, você grita, arranca os cabelos, colhe flores no asfalto. Encostado na ambulância eu fumo um cigarrinho. Sedado com o espetáculo. (serei eu responsável por suas escolhas?).
Trancado na jaula da loucura, você velando, dando até os ossos por mim. Paredes pintadas de excremento. Você limpa, jura que tudo vai melhorar, repete várias vezes: “Assim como a dor, às vezes a felicidade também pode ser insuportável.” Portanto, cometa uma atrocidade pra que tudo continue como antes. Nossa inércia depende dessas ações.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Coçar o cu até morrer e/ou eu quero

Eu quero dez desse agora para o pior inimigo.
Eu quero e nunca vou parar de querer.
Eu quero.

Eu sou o que eu quero.
Eu sou você eu mesmo.
Sou e quero.

Não é vingança,
é o pedido da vida por empate.

O equilíbrio é empate:
Sou eu é você.

Mais o somos
Mas somos, fomos e seremos.

Eu sou dez desse agora:
A verdade tola desse aqui.

E do que vem à frente.
Nada além do querer.

Só por isso não me mato.
A consciência de que o cu e a boca são importantes.

Temos que satisfazer
Somos juntos

Nada além desse agora
Aqui e sempre

Nessa bela mijada, nada.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Pequenos abismos.

Pequenos abismos.
Experiência diária de abismos. O noir, o érebo!
Fronteira entre dois mundos. Invisível.
Encontrar-se consigo em meio ao caos da rotina e das máscaras.
Contemplar o irreconhecível e admitir: "Esse sou eu" e não aquele com nome e sobrenome, condenado a passar um tempo que não existe.
Quando a solidão me envolve com seu manto, fujo ao meu encontro.
Irreconhecível, distante. Fica a  realidade, tão abstrata quanto o tédio das noites de domingo. Coloco à prova todos meus objetivos num exercício de auto-afirmação. Eis-me prostrado ante o abismo de minhas inquietações.

sábado, 9 de abril de 2011

Silêncio, que eu to tentando cagar porra! E dar uma cagada as vezes é uma ordem muito maior que a vontade de mudar o mundo.

Aos ouvidos da tolice um arroto até parece uma boa idéia!

quinta-feira, 7 de abril de 2011


É tudo que eu sempre quis: o direito de peidar, cagar e mijar. E ter dinheiro pra comer.

O grotesco fim do nada é o fim do tudo,
somos nada ou somos somente o aqui,
um zero,
um ponto,
um ponto cada vez maior,
um ponto zero
e/ou só um zero.

Somos o que somos,
é por que é por que é pro que é

Talvez uma interrogação viva, sempre o nada.
Sempre preenchendo o vazio do nada.

Por mais cheio, está lá querendo mais:
Mais nada. Um lá como aqui.

Tenho tudo. Mais nada.
Só o hoje e o amanhã, só você
Só todos nós e você
Só agora o aqui
Nunca o lá
Sempre aqui você
Ninguém mais. Mais nada.

Só o hoje e o amanhã
vivendo do passado.

Quem pode nos salvar do nada,
quem somos nós além da existência do porquê somos nós
E, assim mesmo, é você.

Eu sou ele, você é ele, eu sou você como você é ele.
E ninguém quis ser mais eu

Porque é tudo que eu sempre quis
O direito de peidar, mijar e cagar
E ter o dinheiro pra comer.

Você sou eu mesmo não querendo ser
Porque eu sou ele
Ele é você

E é aí que a gente se encontra.
Ninguém quer saber, todos nos deixam:
Eu sou você, e você sabe.



terça-feira, 5 de abril de 2011

DEVANEIOS DE LUZ.

Seis da manhã. Preguiçosa, Luz fica mais alguns instantes na cama. Os primeiros raios de sol invadem o quarto por um pequeno espaço entre as cortinas.  Luz acende um cigarro e vai à janela - seu "observatório secreto". Está nua. Lá fora, a cidade em frenesi. Ônibus abarrotados, nas ruas, carros disputam o tempo num buzinar, acelerar e frear caóticos. 
A janela está fechada. Luz também. Fechada e silênciosa.
Aos poucos, a quietude inunda as ruas e as pessoas. O mundo fica em câmera lenta. Diante de tantas cenas, entre invisíveis e anônimos, um velho de bengala  atravessa a rua. Pombos voam. Uma folha se desprende do galho. Suave flutua,  e pousa com delicadeza no espelho d’água a ser construído na Praça Osório. 
Luz acorda. É segunda-feira. Faltam alguns minutos para o despertador tocar.

sábado, 19 de março de 2011

Angústia de um tabagista.


Preciso de um cigarro! Nenhuma companhia  seria tão agradável nesse momento quanto um cigarro. A madrugada encurta a noite, e uma chuva torrencial desaba lá fora. Aqui dentro, a insônia torna a falta de cigarros angustiante. Eu sairia na chuva pra comprá-los, mas não tem nada aberto nessa praia fria e fora de mão. Isolada pelas chuvas, ninguém entra ninguém sai. Assim determinou a natureza. Já começa faltar alimentos, combustível, dentre outras coisas mais. Deus! Isso está começando a me assombrar; e se faltar cigarros? Não, jamais; cigarros não vão faltar. Sempre tem aqueles  do Paraguai. Não, não pode faltar cigarros, posso agüentar até amanhã, fico aqui acordado andando pela casa.
  Distraido hora com a TV, hora com um livro.
Deito tento dormir. Me masturbo, cochilo um pouco, logo acordo. Esses pernilongos. Reviro o lixeiro, duas ou três bitucas rendem um enroladinho fumável, calmaria... Por pouco tempo, agora sim bate o desespero. Não há mais nada pra fumar mesmo. E se eu ligasse pra alguém, como? O telefone esta mudo. Além do mais não sou íntimo de ninguém nessa cidade... “Maldita hora em que resolvi vir pra cá.” - Adeus pessoal! Fiquem aí no inferno dos pinheiros, vou pra praia, curtir o ar puro, ver  menininhas de biquíni e descansar... Hahahah se deu mal idiota! Nesse momento eles devem estar em algum lugar, tomando cerveja, rodeados de meninas e fumando. Ah fumando! Como eu queria um cigarro. Vontade de beber aquela cachaça que ta na geladeira. Tomar um porre desses de acordar sem saber como veio parar ali. E se não tiver mais cigarro na cidade? As rodovias estão interditadas, pode muito bem faltar, no barzinho aqui perto não tem mais. lembra ontem que tive que buscar lá na avenida? Melhor não beber, imagina acordar de ressaca e não ter um cigarrinho pra rebater. Deveria ter me prevenido, comprado de pacote quando vi a noticia na TV. Não! Amanhã eu compro dois, dois não, três pacotes pra garantir, saber lá quando as rodovias serão liberadas. E se o cartão não passar, será que tem dinheiro no caixa eletrônico? E no banco? Jesus eu não pensei nisso... Ah que vontade de fumar! Tem uma menina de catorze anos fumando no filme, desligo a TV. No romance que estou lendo acendem um cigarro em nome de tudo que deveria ser feito. Maldito seja o fumante que escreveu esse livro. Beat filho da pauta! Eu só quero um cigarrinho, assim que eu conseguir um, será o último, e a última vez que eu me permito ficar sem. Comprarei um maço pra vilipendiar, mostrar o quão mais forte eu sou até a próxima chance. Amém.

sábado, 12 de março de 2011



Toda  noite  me dedico involuntariamente ao mesmo sonho:
Sou uma espécie de burro ou asno,velho e  cansado. Após um dia cheio de trabalho, maus tratos e humilhações, deito-me para sonhar. Sonho que sou um homem. Acontece que no sonho do burro, o eu  homem acorda para trabalhar. E Quando o eu-homem dorme,  o eu-burro é acordado,  e assim fica até que vai dormir novamente.


Ambos os sonhos parecem tão reais!
Questiono:
qual dos sonhadores sou eu, o burro ou o  homem?
 Por um apego aos clássicos que  uso para disfarçar minha ignorância, procurei meu volume de “As obras completas” e comecei a ler A interpretação dos Sonhos.


Minha leitura não foi longe; logo percebi que eu não era nem o asno que sonhava ser homem, nem o homem idealizado, que no entanto era incapaz de sonhar;  mas sim aquilo que ficou perdido entre os dois, e  que neles não possuía existência.



creditos: procura-se o Autor

terça-feira, 1 de março de 2011

Abordagem de rotina.

 A noite convidava para um passeio. O vento forte e o som do mar revolto "chegavam" até a minha casa. amigos esperando na esquina. Duas da manhã, sai como se tivesse um destino
Meu cachorro me acompanhava. corria, farejava, marcando território e latindo aos seus ancestrais caninos. Sentei nas pedras e acendi um cigarro. Permaneci por algum tempo refletindo coisas fúteis. Poeira, sinapses e coisas marinhas, Colombo, Cabral e Stephen hawkin. Dentre tantas dúvidas uma certeza, melhor voltar... Corri com meu cachorro e até rolei na areia.Criança grande, adulto oculto na praia deserta. ( Ou nem tanto).
 No caminho percebi um carro da policia parado a poucos metros do acesso a calçada. Eu necas, segurança por perto. Continuei andando. Dez passos ou mais e o carro já estava ao meu lado. Enquadro inevitável. Parei, me virei, dei uma baforada no cigarro só por desaforo e disse:
-Posso ajudar?

Truculência:
 Encosta no carro!
Vai, abre as pernas, que ta fazendo ai, qual seu nome?
Olha pra mim!
 Abre bem essas pernas “rapá”!
Onde você mora, o que você faz?
 Meu cachorro rosnava, corria em volta deles, quase mordeu as canelas do oficial que me revistava, mas foi repelido por uma tentativa fracassada de ponta pé de outro hábil defensor da lei.
Perguntas e mais perguntas...
Conferidos os documentos, Ensaiaram uma conversa amigável, sobre os perigos de  andar só aquela hora da noite, coisa de policial. De repente, o radio os chamou para mais uma ocorrência, então partiram, destemidos à procura de meliantes. Eu voltei pra casa, feliz com a quebra de rotina. Onde, do conforto do meu sofá, liguei pro traficante de sempre.
Abençoado seja o dellivery.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010



O que se vê?
É isso mesmo que se vê!
A carne, um retrato...
O resto não importa, se esconde dentro de alguém que vocês jamais conhecerão.

terça-feira, 17 de agosto de 2010



Existem tantos lugares onde eu poderia estar.
Sem rosto, sem corpo,
apenas presença.
Um estar sem sentido,
sentindo apenas.

No silêncio de alguns
na euforia de outros.
Tantos outros!
Quem são os outros quando não estão aqui?

Quem são, senão concepções vazias
ou irremediáveis certezas
que os fazem ser o que são
e o que não são.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

O EXU DAS MADRUGADAS INSANAS.


Embora sua reputação o condene, a culpa pela minha insônia e dor de estômago não é do café, não posso culpá-lo, nem mesmo os mais de vinte cigarros que fumo todo dia tem participação nisso. Já me recomendaram passiflora, chá de camomila. "toma chá de alface" disse um bêbado que parecia bem mais lúcido do que eu sóbrio. Tudo crendices! Gosto mesmo é de rivotríl, diazepam, e se não funcionar, soco-lhe cachaça no meio, porque remédio dá sede e juntando com a sede que tenho por natureza, haja água, digo -álcool- pra satisfazer esse homem.
Outro dia acordei. Não que estivesse dormindo, mas também não estava necessariamente acordado, só percebi isso depois de uma verdadeira batalha dentro de uma ambulância em movimento. "Seda gritava o condutor" - "Ele já esta sedado" gritava meu adversário travestido de paramédico. "Vai ter uma overdose". Haha! Não levei a dose extra de calmante, mas ganhei um afastamento de três meses do trabalho. Alegria, alegria! Pelo visto esses psiquiatras não conhecem aquele célebre ditado: "cabeça vazia: panela do diabo". Que diabo o quê¿ Sai pra lá pai de santo! Que hoje eu vou exorcizar meus demônios em outro lugar. Parafuso solto é a m.. E me dá logo uma dose aqui, e das grandes! Hoje eu to podendo! Até cito Nietzsche pra comprovar, olha só “Eu fiz isso" diz minha memória. "Eu não posso ter feito isso" diz meu orgulho, e permanece inflexível. Por fim, a memória cede.
Em casa, duas da manhã, de sobressalto um frio na barriga, "bateu ansiedade, não é? Não sou eu pastor, é ele; sim, é ele, aquele que não sei quem sou, é o Exu. Melhor desligar a televisão antes que você me convença, aí paro de beber, namorar, até com o videogame terei de parar. Rezar não adianta. ”Se rezar adiantasse o papa não andava de blindado e igreja não tinha para-raio"; melhor procurar uma encruzilhada, lá tem bar, posto de combustível, farmácia, e companhia é o que não falta. Ah, mas o que eu estava procurando mesmo? não lembro, prefiro cair fora, não quero a minha companhia, nem a sua, tá olhando o que aí com essa cara de reprovação, moralista pederasta? Pensa que eu não sei o que você faz dentro desse teu importado com vidros escuros? Aliás, só Deus sabe, sabe de mim e deles também, por isso se mantém tão afastado de nós, porque com ele o buraco é mais embaixo, então taca lenha na fogueira que eu quero ver o circo pegar fogo, não respondo por mim mesmo, ao menos era isso que estava escrito no meu B.O da última que fui preso.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Corrompi todo o Código Penal Padre; deus sabe que tentei ficar em casa rezando. Mas elas estavam ali o dia inteiro, perdidas, sem nada fazer. Tentei ficar em casa, mas o diabo me corrompeu. Se falar do mal, a igreja tem algo a dizer: “de boas intenções o inferno está cheio, meu filho”; “ótimo!, então não há mais lugar para mim; parto sem fim, padre”. Quero viver, fazer o bem, remunerar o jovem trabalhador, forjar uma nação e contribuir para o espetáculo do crescimento. Uns gostaram, outras nem tanto, outros ainda... Nada. Peixinhos. A maioria nunca tem opinião; é apenas movida de lá para cá ao sabor do poder, delícia dos anos 30: uma fotografia de mulher seminua da cintura pra cima. Ainda mais com toda a ofensa aos bons costumes... Nada. Peixinhos. Somos todos cordeirinhos, “meu pai não me levou à zona, foi tudo sem crase, mamãe foi junto, ela trabalhava lá, tenho orgulho, foi o que pagou meu estudo, hoje, quando derramo a última lágrima do funeral, imploro por seu perdão, mamãe, as leis eram mais fortes, não pude ser o contador do bordel”. Não há mães e pais no mundo, somos todos nós abusadores de criancinhas, elas gostam, serão nós, seremos elas, juntas elas fazem a pressão subir, uma com o dedinho na outra, até que o casamento acabe com tudo. Sou pra casar, cada vez que cometo uma atrocidade penso, Maria, me salve, case comigo, por favor. Tudo é saudade, quando não está aqui, quem sou se não o mal, o mal que posso fazer, pensando no meu bem. Vice-versa. Melhor dizer o mal, sei que elas queriam mais que eu, mas eu sei, li, não fui assassinado quando o exército vermelho exterminou todos aqueles que usavam lentes, suspeitos de serem leitores, – crime capital, pena: eu agora querendo mais, elas lá fora, esperando o dia inteiro, uma apóia na outra, “eu gosto assim, faz pra mim”. Queria poder me culpar mais, queria o suplício; mas confesso e não blasfemo: a culpa é sua, por que não está aqui comigo? Vergonha? Deve ser, eu também teria, jamais me encararia, esses olhos negros não têm fim, a gente se perde neles; tenta-se fixar o olhar, impossível, os olhos negros não têm pupilas, é preto e branco, um na cozinha, outro comendo, sendo servido. Bocejando há horas, Maria, José, João, qual é mesmo o nome da insônia? Insônia é simplesmente desistir de dormir. Tomar remédios, desabar, insônia só amanhã de manhã. Cada qual em sua realidade; cada qual pensando em fazer o bem; cada qual submerso em seus pecados – os olhos talvez os escondam, talvez queiram mais, mais bem, mais bem, mais bondade. Incrédulos, gentes, nações e organizações acreditam que o bem resta estático, pontual, – amantes do pragmatismo, “vamos distribuir remédios na áfrica”, “cotas raciais”, “o meu bem deve prosperar, afinal é o bem, é a bondade, é a minha religião: o bem”. – Te sento a mão na cara moleque, mas é para o seu próprio bem. – Aprenda de uma vez por todas que não se pode falar palavrões à mesa, sem crase, toma, toma, mais essa, toma e fica quieto, já pro seu quarto, que hoje não te quero ver nem pintado nem crucificado: Jesus botava tanto medo em José que, quando este lhe deu a primeira porrada, um milagre aconteceu. Nomes bíblicos dão tesão; para uns a religião é o próprio pecado, para outros é apenas destruir imagens de gesso em cadeia nacional, há aqueles ainda que juram não a ter – (tome cuidado) a natureza não reage, mas se vinga, preserve-a.