Aqui e ali o disse Wordsworth. Uma ou duas vezes o disse Coleridge; pois a Rima do Velho Nauta e Kubla Khan são mais sinceros que todo o Milton, direi mesmo que todo o Shakespeare. Há apenas uma reserva com respeito a Shakespeare: é que Shakespeare era essencial e estruturalmente factício; e por isso a sua constante insinceridade chega a ser uma constante sinceridade, de onde a sua grandeza.
Quando um poeta inferior sente, sente sempre por caderno de encargos. Pode ser sincero na emoção: que importa, se o não é na poesia? Há poetas que atiram com o que sentem para o verso; nunca verificaram que o não sentiram. Chora Camões a perda da alma sua gentil; e afinal quem chora é Petrarca. Se Camões tivesse tido a emoção sinceramente sua, teria encontrado uma forma nova, palavras novas — tudo menos o soneto e o verso de dez sílabas. Mas não: usou o soneto em decassílabos como usaria luto na vida.
O meu mestre Caeiro foi o único poeta inteiramente sincero do mundo.
Fernando Pessoa, in 'Ideias Estéticas - Da Literatura'
######################################################
DESABAFO AO CAOS.
Quero uma trégua já, pelo amor de Jesus filho de mãe virgem e de um espírito santo que de santo não tem nada, porque traçou a mulher de José. Deixem-me em paz. Sujeira? Seria melhor que perdessem o nojo e limpassem a si próprios antes de iniciar a purificação do mundo, um mundo tão ínfimo, reduzido a um quarto e sala dividido por esses andares da metrópole,onde se escondem a maioria desses filhos da puta degenerados,sem contar os que sofrem nas prisões, nas ruas ou em seus prédios de luxo contemplando essa estética triste e colorida, dramática como os filmes daquele espanhol filho da puta... "Almodóvar"? Não, eu quero é um travesseiro pra fingir que nada disso é verdade. Quero uma trégua, uma tragédia, água pra inundar esse mundo de bla-bla-blas e jornais, revistas e televisão, mastigo e cuspo um mercado que esta sempre se renovando o mesmo, chato e fútil! Inútil essa tagarelice, bom mesmo é explodir...
Da- me um shopping Center que eu transformo em estacionamento e quando ele estiver lotado, entro com um carro bomba e saio de fininho com minha bicicleta antes que o troço todo vá pelos ares. Ahhaha churrasquinho xiita! Caos? Caos AD? Caos AC? Bandas dos anos oitenta! Intelectualmente limitadas, mas com uma visão nostradâmica. Ah o caos nosso de cada dia! Vamos lá, todos contribuindo com o espetáculo do crescimento: Indo pro trabalho pra venda, pro necrotério, pra puta que pariu, mas tem que ir e não pode parar! Rogo-te novamente Jesus, Pai e Espírito Santo! Quero uma trégua de tudo isso que nos torna tão espirituosos a ponto de querer dar sentido a todo esse caos; esse caos nosso de cada dia!
BALADA CRÍTICA.
A noção de grupo se confunde com a vontade de poder, cada um imerso em sua potencialidade e tentando fazer disso algo que o inclua no senso comum ( leia-se grupo social)
Uns querem sexo, outros apenas bebida, alguns um pouco mais, concordância verbal, companhia e a volta solitária pra casa; outros são, estão e acontecem, sempre onde se deve estar, vai e vem, a satisfação dos prazeres, a vontade humana no singular e no plural...
NOTA PREMATURA DE UM FUNERAL.
Tem quinze anos que tudo é igual. Até parece que estou chegando a algum lugar.
Piada sem graça, livre arbítrio, síndrome de Peter Pan, rumores de um futuro brilhante acabam reciclados como jornal velho. Cada errinho milimetricamente calculado, todos à espera da eternidade. Vamos beber até que tudo faça sentido, imolar uma ovelha nesse dia tão especial, rezar para que um milagre aconteça-VIDA- mais e mais -VIDA- para ser escrita, desperdiçada. Um retrato na minha estante, junto a todas as outras bugigangas inúteis ali dispostas há de ilustrar esse momento.Vamos em paz e que o senhor nos acompanhe...
EPITÁFIO.
A vida se satisfaz rindo da nossa cara, o tempo todo ali, zombeteira aguardando mais um pequeno fracasso dos seus bufões.
SCENTTLESS APPRENTICE.
Olhar as ondas violentarem as pedras, o vento suavemente encrespar as ondas, sentir o verme oculto entre a pele e a carne, pouco a pouco consumir a alma in-natura. - Antes que se corrompa com promessas indignas, santos injustos e desejos infames...- Beber o sangue do animal ainda vivo, senti-lo desfalecer entre as mãos, deixar-se submergir naquele olhar suplicante e tremulo, sabe-se lá se de prazer ou de dor!
Ah! Como explicar aquele corpo se debatendo, aqueles sussurros, a volúpia irresoluta e final, o silêncio desesperador, o sono do justo e o acordar sem culpa?
Um mundo sem cheiro...
REFLEXÃO ANTIGA.
Quem dera um dia você me fale aquilo que nem mesmo pensa, confidências que involuntariamente seu travesseiro ouve e te faz esquecer depois de longas horas de insônia.